Quando a divulgação não informa

Saiu agora um dossiê sobre inteligência artificial no portal da Super Interessante.

Era uma grande oportunidade de divulgar um tema de grande apelo sob um viés sério e científico. Infelizmente, não foi isso que essa primeira parte do dossiê mostrou.

É revoltante ler em um portal que pretende divulgar assuntos ligados à ciência uma mistura tão intensa entre o que é fato científico e ficção pura, sem que haja nenhuma preocupação com o tipo de impacto que esse tipo de coisa possa ter.

É inegável que exista um apelo muito grande da inteligência artificial na cultura popular:  vemos diversos filmes, livros e séries sobre o tema, e isso não é problema! Inclusive, considero diversas dessas histórias excelentes e, é claro, pensar nessas questões dentro da perspectiva fantástica que as ficções apresentam é uma atividade muito divertida.

Agora, é importante pensar também no papel da divulgação científica e lembrar que a inteligência artificial não é só ficção. Existem muitas pessoas que estudam esse tópico dos mais diversos pontos de vista e das mais diversas origens acadêmicas: filósofos, engenheiros, cientistas da computação, biólogos, linguistas…Esses estudos são sérios e revelam um panorama incrível que é tão atraente quanto o revelado pela ficção – com o bônus de ser real!

A grande questão é que a linguagem científica, ao se refinar ao longo do progresso de determinada área, vai se tornando cada vez menos acessível para o público geral.Daí a missão da divulgação científica: trazer a mensagem expressa no desenvolvimento científico de modo que o público geral a compreenda, mas se mantendo fiel às ideias trazidas pela comunidade científica.

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Divulgação científica não é simples!

Essa é uma missão ingrata! Com frequência você corre o risco de perder público sendo mais rigoroso. Além disso, não tenha dúvidas de que algum técnico virá apontar qualquer detalhe perdido na sua divulgação.

Mas, o ponto importante aqui é: para se fazer divulgação científica, é fundamental ter rigor. Quando se fala de uma área tão presente no imaginário popular, é necessário ter o dobro de rigor.

Uma matéria curta sobre inteligência artificial tem que, no mínimo, tomar muito cuidado ao falar de determinados tópicos. A primeira parte dessa reportagem da Super traz uma perspectiva que:

1- Apresenta o futuro da IA como necessariamente alcançar a Singularidade (que é, no mínimo, forçar a barra)

2 – Não tem nenhum cuidado ao tratar a inteligência artificial como se fosse igual à inteligência humana, só que em robôs.

O primeiro ponto, pelo menos, é atribuído a um pesquisador (Ray Kurzweil).

Sobre o segundo ponto: como você fala de IA em geral sem falar de uma das grandes questões filosóficas da IA? Ainda mais quando a posição científica sobre a IA tende para o lado oposto ao que você defende?

É possível comparar a chamada inteligência artificial, criada por agente inteligentes em computadores com a inteligência humana, fruto da evolução biológica da espécie?

Veja o que o texto fala:

“Você está em outro nível de desenvolvimento cognitivo, lógico e filosófico. Você é um robô. Criado por robôs. Mas é como se fosse gente.”

“É como se uma pessoa tivesse, ao mesmo tempo, a genialidade de Einstein, Mozart, Marie Curie, Steve Jobs e Da Vinci. Só que ela é um computador.”

“Um robô francês chamado NAO passou na prova. Diante de perguntas simples, NAO foi capaz de raciocinar a respeito da sua própria existência – algo que, até outro dia, era exclusividade dos seres humanos.”

Apenas não! Não se faz o paralelo entre inteligência artificial e o que quer que ela alcance que se dê o nome de consciência com a consciência humana, forjada por milhões de anos de processo evolutivo biológico!!

Pelo menos não se faz isso sem apresentar as críticas (3 links apontando como essa comparação é complicada, TODOS encontrados na primeira página do google).

Além disso, a conclusão de uma matéria de divulgação científica não poderia ser mais descabida:

“Muito em breve, computadores vão tirar suas próprias conclusões, desenvolver uma ética peculiar, demonstrar uma inteligência superior inigualável e criar autossuficiência. Por que um mundo assim precisaria de humanos?”

Vender essa área como se fosse a grande responsável por criar um possível apocalipse é tremendamente irresponsável. Beira ao ludismo.

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Contra as máquinas e não contra os exploradores!

Vamos falar de realidade? O que é real sobre a inteligência artificial é que é uma área que tem criado produtos e mecanismos que afetam muito positivamente diversos aspectos da vida humana. Temos carros autônomos, algoritmos que indicam filmes e livros, assistentes pessoais no celular.

É claro que existem problemas novos trazidos pelas novas tecnologias, mas vender ficção como se fosse o resultado lógico do avanço de uma área científica é extremamente problemático. Deve ser a vontade de ganhar mais cliques.

 

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